quinta-feira, 28 de outubro de 2010

escolinha

aqui pertinho da casa aonde eu moro, em Pelotas, tem uma escolinha de crianças; é uma espécie de creche, mas não é bem uma creche. na verdade eu não sei explicar ao certo, mas o fato é que as criancinhas (na média de 4 a 6 anos, aparentemente) ficam lá durante o dia, enquanto seus pais trabalham.

sempre que eu passo por lá, na minha pressa sem motivo de todos os dias, reduzo os passos e olho pela janela que dá pra sala de aula, ficando ali por alguns segundos.

lá dentro tem uma mesinha redonda aonde todos sentam e observam a professora que, com gestos enigmáticos, seduz as criancinhas de uma maneira toda apaixonante. elas olham como se a professora fosse uma fada que, com a sua varinha mágica, tem o poder de transformar o imaterial em matéria, de fazer o inanimado ganhar vida. ela simplesmente reina na cabeça daqueles seres.

as carinhas são tão atentas e encantadas que dá vontade de ficar ali, invisível, a observar os trejeitos de cada um. mas não dá. aquelas carinhas duram até eles perceberem que eu estou os olhando com um riso denunciador no rosto. aí eles mudam totalmente a face e olham pra mim como quem diz: "o que aquele cabeludo lá fora quer aqui na nossa turma? será que ele não tá percebendo que a nossa professora está nos contando uma historinha assaz interessante? bobão!". sempre que eu sinto esse "repúdio" por parte deles fico sem jeito e dou no pé, continuando a minha andada rápida e sem motivo.

mas, numa turminha que, se não me engano, tem aulas às sextas naquela sala, tem um loirinho que me adora. sempre que eu passo e ele está lá eu faço uma careta e ele racha muito o bico, tirando a atenção de todo mundo da sala. ele é aquele típico e caricato molequinho-loiro-pimentinha. figuríssima!

ele é tão foda que, ao sentir que eu estou na iminência de causar uma desordem na sala com a minha presença, ele o faz antes de tudo dando uma gargalhada daquelas bem gostosas e apontando pra mim. mas aí eu dou um golpe de reflexo bem rápido antes que todas as crianças percebam, o que deve gerar um possível constrangimento pra ele frente aos amigos por parecer um louco gritando e, possivelmente, uma broca da professora. mesmo assim tenho certeza que ele não liga pra ninguém, não tá nem aí. ele é dos meus.

o mais legal de passar lá de sexta-feira é que este dia é o dia de levar brinquedo pra escolinha (ou creche, que não parece creche mas pode sê-la). neste dia a mariazinha leva a boneca que ganhou de aniversário da avó e o pedrinho leva o caminhão de bombeiro porque, quando crescer, quer ser jogador de futebol mas a tia da creche (ou escolinha, que não parece creche mas pode ser também) não o deixa levar bola porque pode quebrar a vidraça. não sei qual brinquedo que o loirinho leva, nunca dá tempo de ver (está aí meu próximo objetivo). eu imagino que ele deve levar um bonequinho; isso porque este pode tanto subir no caminhão de bombeiro do pedrinho quanto dar uns pegas na boneca da mariazinha. ele é esperto, mais do que eu.

escrevendo esse texto eu senti muita saudade da minha infância. eu lembro que na escolinha em que eu estudava, a sexta-feira também era dia de levar brinquedo. eu levava meus bonequinhos dos cavaleiros do zodíaco e ficava ali, no cantinho, possivelmente com um amiguinho, tão ou mais quietinho que eu, observando o movimento ao redor. na verdade mesmo eu lembro de pouquíssima coisa dessa época, com exceção do acidente que sofri no carro, aonde a minha gengiva ficou pendurada, mas isso é uma história pra outra oportunidade.

eu fico triste em não me lembrar desse tempo porque essa é a fase mais criativa na formação de um ser humano. é naquele momento que a gente começa a desconfiar do por que da existência das coisas, das pessoas, das palavras, dos pássaros. aí a gente vai aprendendo tudo ou sendo enganados por adultos que fingem que sabem de tudo mas na verdade ainda têm as mesmas dúvidas. aí a gente cria fantasias na nossa mente, imagina o Sol acendendo a luz de manhã, imagina a terra girando, se sente um passarinho, sonha.

sonho. sim, o bom de ser criança é ter o poder e a sensibilidade de sonhar. a gente vai perdendo isso com o tempo. confesso que um dos meus desafios de ultimamente, com o desconforto diário de tanto desacreditar no ser humano adulto, é tentar sonhar que as coisas podem ser melhores, que os seres humanos podem ser menos perigosos uns para os outros.

na verdade a grande sacada é que, quando eu estou quase desistindo disso tudo, sempre me acontece uma coisa boa: eu acabo descobrindo, no meio de tantas pessoas, um ser desconhecido que me causa bons sentimentos, que me encanta com a sua presença tão dançante no meio de tantas outros indivíduos ditados pela inércia da música da vida. depois disso eu retomo o meu lirismo, os meus textos, o meu frio na barriga por poder encontrá-la a qualquer momento nas curvas da vida; realmente volto a sonhar. aí eu renasço ao mundo do encantamento, juntamente com a ajuda dos outros seres conhecidos que sempre estão comigo e que me acompanham diariamente, segurando a barra ao meu lado, me fazendo acreditar nas coisas boas e na busca incessante de viver em paz nesse mundo.

e aí você me pergunta: o que tem a ver as crianças do começo do texto com essa filosofada dos últimos parágrafos?
aí eu te respondo: não sei, só sei que ando um tanto cheio de coisas boas na cabeça, cheio de sonhos, cheio de amor desconhecido, cheio de flauta... quase transbordando. mas não se preocupe, depois te conto tudo. tá?

2 comentários:

Natália disse...

Você é o tipo de pessoa (píncipe) que nunca vai deixar de sonhar e nem de despertar os sonhos nas pessoas. O meninho loiro já sacou isso.

Anônimo disse...

bonito seu texto