segunda-feira, 16 de agosto de 2010

a montanha

um dia decidimos escalar uma montanha juntos.
sabíamos das dificuldade e tudo o que poderia nos ocorrer durante esta empreitada.
no início eu não acreditava muito na idéia, mas ela foi me clareando as coisas; mostrou-me mapas, deu-me argumentos até me convencer de fato.

aí então eu fui vendo que essa nossa aventura iria dar certo.
estabelecemos condições, metas e caminhos a seguir juntos, sempre.
arrumamos nossas coisas e partimos.
cada um levava uma mochila grande e eu, além disso, levava a cabana nas costas.
ela colocou num bolsinho separado uns papéis de dobraduras e eu, à tira colo, uma flauta.

então fomos embora!
pé na estrada.

no início a emoção era tanta que tudo parecia tão leve.
pulávamos feito coringas e abraçávamos as estrelas com os polegares.
esta aventura fez com que começássemos a nos amar com uma intensidade tão grande que até as folhas densas das árvores não economizavam a nos reverenciar.

pintamos folhas com nanquim, fizemos música com as flores e dançamos com os cipós.
milhares de muitas e diversas maravilhas nos ocorreram.
um dado momento da nossa caminhada encontramos um portão alto e pesado; ficamos com receio de abri-lo, mas o abrimos sem saber ao certo o que encontraríamos pela frente.
quando o portão estava totalmente escancarado nos deparamos com uma imagem que até hoje não sei decifrar ao certo: era um jardim paradisíaco com flores de todas as cores existentes no universo por todos os cantos, com rios de águas límpidas e calmas e com um gramado deslumbrante.

depois daqueles dias no paraíso passamos a nos amar cada vez mais.
nunca nos separamos em espírito, com exceção de alguns desentendimentos efêmeros.
mas foi tudo muito maravilhoso.
eu sempre abri mão do meu conforto para deixá-la o mais feliz possível, sempre parava horas para explicar e ensiná-la às armadilhas da mata da vida. sempre com o maior prazer.
e ela também, com toda a sua calma, me trazia paz através de sua serinidade ímpar e de suas palavras e frases de amor tão singelas.
era tudo muito perfeito!

bom, e aí foi então que no meio do caminho ela encontrou uma cachoeira que a encantou de uma forma surpreendente.
depois que a viu pela primeira vez por trás de uma árvore qualquer as suas águas ensurdecedoras, as suas notas que caem de uma montanha de areia, ela nunca mais foi a mesma.

de lá pra cá tem sido muito difícil chamar a atenção dela.
sempre que andamos, depois de alguns passos, ela olha para trás e mira o caminho, buscando sentir novamente a força das águas. e aí se distancia, me ignora, me olha com olhar de triste de “sinto muito”, de pena, de “desculpa”.
tenho me sentido muito triste, angustiado, impotente, desmoralizado, sem rumo, sem nada.
mas aí eu pego a mochila, ponho encima da cabeça, a seguro aquela mulher com os dois braços, com todo o meu corpo e alma, e nos jogo para cima com força; mas não tem adiantado. o seu corpo está mole, sem vontade, desacreditado em mim.
só mira; só mira a cachoeira.

hoje cedo chegamos a uma bifurcação na estrada que fica bem no topo da montanha.
temos duas opções: ou vamos juntos por um caminho ou cada um segue um caminho distinto.
depois de pensarmos muito, de procurar explicações pra tudo, escolhemos (muito mais ela do que eu) a segunda opção.
cada um vai para um lado do caminho, sozinhos.

tudo bem, eu preferiria andar de mãos dadas com ela, seguirmos e ultrapassarmos as barreiras juntos, mas ela acha melhor assim.
neste caso a minha compreensão toma conta do resto...
é que sempre acontece, o que sempre acalma os ânimos.
ainda bem esta existe porque senão já teríamos nos perdido há muito tempo; mas eu sou teimoso.

ah, mas uma coisa eu tenho certeza: todo esse distanciamento, toda essa indiferença e olhar longínquo é por causa da cachoeira. não me restam dúvidas.
sei que ao invés de descer a montanha, ela vai dar a volta e procurar a cachoeira novamente.
vai ficar em frente dela a exaltá-la, a dar-lhe oferendas, a desenhá-la, a beijá-la, a fazê-la sentir-se a melhor coisa do mundo, bem como ela fez comigo outrora.

o que me entristece, caro lampião, é que em todo esse trajeto que fizemos até aqui após este tão “sublime” encontro, ela não esteve espiritualmente comigo. não mesmo.
esteve o tempo todo de costas, planejando a volta, observando os atalhos que poderia tomar.
e eu? eu?
ah, uma fase passada da vida explicitamente desenhada. fica pra próxima, “quem sabe”.
agora só há espaço para a fogueira que esquenta subliminarmente, para os olhos que não choram lágrimas, apenas águas de nascentes cristalinas.
ah, vá!!

vamos dormir essa noite e amanhã bem cedinho vamos descer a montanha, cada por um lado.
espero que as correntezas causadas pela força das águas da cachoeira não a afogue no seu próprio egoísmo. egoísmo! sentimento este que tanto tentei manter distante de nós. mas não teve jeito.

hoje, depois de decidirmos tudo direitinho fiz uma coisa que ela não percebeu.
deixei dentro da mochila dela uma caixinha de música, uma boca, uma flauta, um chá com brócolis, um calendário com todos os dias 3 de cada mês destacados com flores (no mês de julho o dia 9 pintado bem forte de vermelho) e um broche.
quem sabe quando ela chegar ao seu destino e abrir a sua mochila descubra estes objetos e se lembre da minha existência como homem.

espero um dia ser o homem da vida dela, que ela apenas tenha olhos para o caminho que poderemos trilhar juntos.

aqui da barraca posso ver lá na frente uma outra montanha que é iluminada pela luz da lua.
ela tem um formato lindo e é tão alta, mas tão alta que talvez não tenha volta e quem sabe poderemos passar o resto das nossas vidas lá.
imagino que lá existem milhares de paraísos mágicos e jardins exuberantes que podemos desbravar perdidamente... por muito tempo.
eu acredito nisso. acredito com todo o meu ser.

mas antes vamos deixar passar esta ancia de liberdade espontânea e vamos tentar estar mais próximos quando chegarmos lá embaixo.

estou com sono.
preciso dormir e me preparar para a volta.
eu vou voltar com calma, com otimismo e perseverança.
eu vou voltar com ela no meu coração e com a fé de que ela estará a me esperar.

então...
então boa noite.

até o amanhã, meu amor.
minha única estrela.

até a volta!!