terça-feira, 14 de julho de 2009

ciclo cítrico

O legal de ficar imaginando o que se passa na cabeça dos outros seres enquanto eles, quietos, passam horas, dias, senão vidas num universo único e infinito, é tentar buscar um sentido qualquer na forma com que o silêncio deles pode se manifestar em palavras. Por exemplo...

Nesse instante, do outro lado da rua, há uma garotinha apreciando as orelhas de um cachorro; ela nem fala nada, acho que nem tem idade para tanto, contudo a quantidade de pelos e pulgas enlouquecem-na, já que seu tato em sintonia com a sua mente ingênua deixam-na numa dúvida existencial infinita [(“por que tantos pelos?) x (por que tão por quê?!”)]. Porém essa dúvida pode não ser uma dúvida; as pulgas podem ser carrapatos. Mas a garota lá encontra-se: atônita.

Poucos metros à direita têm uma tartaruga embaixo duma árvore. Esta apenas balança os galhos por conta da inércia do vento; já aquela, irredutível, está numa briga corporal interminável com uma pedra branca. Estas duas, em silêncio, xingam-se reciprocamente com os piores palavrões eufemísticos que poderiam xingar-se {[“sua, sua... (galinha)] ÷ [“sua, sua... (areia)”]}. Mas esta possível briga pode ser uma troca de carinhos; a galinha pode significar “réptil máster”, a areia pode ser “diamante sul-africano”. Mas elas lá encontam-se: lacônicas.

Deste lado da rua, com cabelos cacheados e bolsa à tira-colo está o Fabrício; incompreensível-observador, papel, caneta à mão direita, fones de ouvido: horas e horas a observar aquela garotinha do outro lado da calçada que aprecia as orelhas de um cachorro; ela nem fala nada, acho que nem tem idade para tanto, contudo a quantidade de pelos e pulgas enlouquecem-n...