segunda-feira, 28 de julho de 2008

pre-Fá-cio

Pois é.
Diz a lenda que eu nasci no dia 28 de julho do ano de 1989, às 13 horas.

Papai me olhava do vidro da incubadora como se fosse o seu primeiro filho; sempre mantendo aquele olhar carinhoso e observador de quem diz:
- “Olha lá! Essas orelhas são minhas.”
Mamãe repousara na cama do hospital para se recuperar da luta para me dar à luz. Não fora fácil pra ela tirar aquele gordinho cabeçudo, chorão e amarelo por parto normal. Coitadinha dela.
Meus irmãos esperavam ansiosos a cegonha chegar com o mais novo irmãozinho, e prontos para serem esquecidos por pelo menos alguns anos até que eu fosse mimado por inteiro.
Meu berço e meu lençol de leãozinho também aguardavam a minha chegada, apreensivos. Mas não tiveram a ventura de me ver.

Era um dia chuvoso de inverno.
Minha ida para casa era incerta, pois a coloração amarelada da minha pele e o brancura excessiva dos meus olhos não eram por acaso. Estava com icterícia. Tive que passar mais algumas horas no hospital.
Agradeço a Deus até hoje pelo fato do médico não ter me liberado. Não que eu tenha gostado do hospital, mas é que nesse mesmo dia aconteceu o que ninguém esperava.


A chuva ardia e os ventos tossiam incessantemente.
Ao lado da minha casa há, e já havia naquele tempo, um extenso jardim com coqueiros, pés-de-limão e uma porção de espadas de São Jorge. Hoje já não há mais o pé-de-abacate que havia antes daquele dia.
Ele não existe mais porque a tempestade daquela noite o derrubara. Não só o derrubara como o direcionara ao que era pra ser meu o berço.

O abacateiro cedeu arrastando fios, telhados e madeiras até que seu tronco deu com meu o lençol de leãozinho. Ele acabou com o meu primeiro bem material e com o quarto dos meus pais.

Um dia, uma velha vizinha, aquela que todos têm medo, me parou na rua e disse:
- É garoto, era pra você e seus pais terem morrido aquele dia.
De fato não havia ninguém na casa; todos estavam no hospital a espreitar a minha melhora. Mas depois de saberem do ocorrido, meus pais ficaram muito felizes por essa árvore ter caído num dia e num horário convenientes.

Passaram-se dezenove anos.
Agora, depois de ter escapado da árvore assassina e de ter sonhado em ser jogador de basquete, cá estou com meus novos sonhos.
Eu não sei quem quero ser. Não sei o que quero ser. Mas serei.

Não sei se é economia, jornalismo, geografia, história ou literatura, mas a coisa que me dá mais prazer é tocar violão e cantarolar cantigas antigas.

Ouço Chico Buarque e João Gilberto na minha nova vitrola velha.

Leio Vinicius de Moraes e Manuel Bandeira e tento dar uma de poeta.
Leio Fernando Sabino e dou uma de cronista.

Faço bolinhos de chuva sabor maçã e banana.

Não tenho tempo pra jogar basquete e tenho preguiça de andar de bicicleta e levar a minha cachorra pra passear.

Amo meus pais e toda a simplicidade deles. Tenho neles, juntamente com meus irmãos, meus exemplos de determinação e superação.

Sinto calafrios por uma garota que tem a língua presa mais linda do mundo e que é quase, eu disse quase, do meu tamanho.

O cara que eu considero meu melhor amigo se chama Gabriel Mendes e eu amo muito esse cara e a sua família. Ele é quem ri comigo das nossas baboseiras intelectuais e dos nossos comentários maldosos sobre a vida alheia. É o único que viaja nos sons como eu.

Conheci nesses últimos anos pessoas maravilhosas. Batalhadoras que lutam pelo mesmo objetivo que eu. Aprendi e aprendo muito com elas.

Apesar disso tudo,
Eu não sei quem quero ser.
Não sei o que quero ser.
Mas meus sonhos me carregam nos braços.
Minha responsabilidade me livra de abacateiros que venham cair na minha cabeça.
Minha fé em mim me assopra em direção aos meus objetivos.

Hoje choro sozinho, mas não é de tristeza.
Meu choro é de saudade.
Saudade do futuro que hei de ver.
Saudade do que ainda hei de ser.