terça-feira, 4 de março de 2008

Queridos e Poucos Amigos

Eu sou um cara de poucos amigos; tal quantidade dá pra contar nos dedos (de uma mão). Não sei se isso é bom ou ruim, mas tenho certeza que com eles posso contar de verdade, assim como podem contar comigo também. Talvez isso não acontecesse se eu tivesse um monte e não mantivesse uma amizade próxima, sadia e sincera como a que eu tenho com algumas pessoas que estão do meu lado e são testemunhas do meu desenvolvimento e da minha vida.

Muitos ficaram pra trás; alguns por causa do tempo, do distanciamento, alguns pelo simples fato das idéias não se encontrarem mais, ou porque escolheram tipos de diversões que não me convêm. Outros nunca foram meus amigos de verdade, não passaram de companheiros durante algum tempo, mas é desses que as vezes eu sinto falta. É mais ou menos como aquela frase do Fernando Pessoa: "O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem".


Na segunda série, quando eu tinha sete anos de idade, estudei no Colégio Nossa Senhora da Misericórdia, em Fortaleza. Minha família mudara para a cidade na tentativa de montar um negócio, sendo assim, moramos uma temporada por lá. Como minha mãe viu que as expectativas não eram das melhores, voltou depois de seis meses, mas meu irmão mais velho (Guga) resolveu ficar e levar a sua vida. Como eu ainda não tinha terminado a série, “enchi o saco” da mama pra ficar com meu irmão até terminar o ano. Depois de muita insistência, a coroa cedeu.

Bom, eu nada mais era do que um extraterrestre. Isso tudo porque eu tinha os cabelos longos, falava feio (sotaque paulisssssta, como eles diziam) e era o filho do gigante (apelido dado por causa dos dois metros do meu irmão). Passei muita raiva e fui muito zoado aquele ano, a ponto de voltar pra casa chorando quase todos os dias. Comovido com a minha situação, um garoto moreno e de olhos verdes, cuja única semelhança comigo era o fato também ser debochado pelos demais alunos; mas no caso dele era por conta dos quilinhos a mais que tinha. Certo dia sentou-se ao meu lado e tornou-se meu amigo inseparável.

Chamava-se, ou ainda se chama (assim espero), Claudinei (vulgo Claudéco). Ele morava na frente da praça principal onde tinha umas mangueiras enormes (mangueiras = pés de manga, para os mais espertinhos); sempre me chamava pra jogarmos bila (bolinha de gude) e para comer a maravilhosa tapioca doce que a mãe dele fazia. As vezes, quando meu irmão estava em casa, chamava-o para comer caju do pé - no quintal - jogar futebol, ver a vizinha tomar banho e jogar pedra nas vacas que o vizinho dos fundos tinha no seu pasto improvisado. Era muito boa a nossa amizade; ela completava um pouco a ausência dos meus pais e superava a hostilidade que sofria dos demais alunos da escola. Depois que voltei pra São Paulo, o encontrei duas vezes quando fui visitar meu irmão, tinha entre doze e catorze anos. Após isso, nunca mais o vi, mas ainda o guardo na lembrança.

A última experiência que tive como esta faz alguns meses. Foi em meados de setembro e outubro do ano passado, só que dessa vez não foi um amigo: foi uma amiga. Ela chama-se A.S.F, mora perto da minha casa e fazia cursinho na minha sala, inclusive, falei com ela hoje pra marcar de pegar um livro e um DVD que estão com ela. Talvez esse episódio tenha me impulsionado a escrever esse texto. Mas enfim.

Eu sempre comentava com meus colegas de classe o quanto eu “pagava um pau pra ela”. Ressaltava algumas de suas belezas, como o seu estilo, seus cachos dourados a fio, seu sorriso tímido, mas nunca tive coragem de conversar com ela, nem um oizinho. O que mais me incomodava era que um bobão da sala, daqueles que não consegue falar com nenhuma mulher, conversava com ela na boa; isso me incomodava muitíssimo.

Um dia eu tomei coragem e disse: - Vamô lá Gabi?

Mas é claro que eu não ia lá sozinho; “nem a pau” - do jeito que eu sou bunda mole - se não fosse ela pra me encorajar, eu não ia nunca. Mas fui, ou melhor, fomos. Conversamos o intervalo inteiro e foi aí que eu vi como o bobão conseguia conversar com ela, tamanha era a sua simpatia e serenidade.

Depois, durante um mês e pouco, não nos largamos mais. Conversava-mos toda tarde ao telefone, estudava-mos juntos aqui em casa, as vezes eu ia na casa dela também, e foi aí que eu comecei a sentir algo a mais (aquele que sempre acontece) do que só amizade. Aconteceram algumas coisas nesse tempo, mas isso não vem ao caso. Num dado momento ela resolveu se afastar, ficou distante, enfim, não era a mesma pessoa, na verdade era, só que ainda não conhecia esse seu lado.

Hoje o nosso relacionamento é bem superficial (uma pena). Sempre passo com a minha cachorra na frente da casa dela, mas nunca a encontro, não que essa seja a intenção, mas bem que poderia encontrá-la de vez em quando. Penso nela sempre que posso; ainda a considero uma pessoa muito importante e especial, apesar dos pesares e dos penares.

Pois é. É assim que perdemos pessoas que poderiam ser nossos amigos pra sempre. Pessoas que têm os mesmos ideais, os mesmos sonhos e os mesmos gostos, e, por um simples acontecimento, ou por egoísmo de alguma das partes, essa amizade se perde no meio do caminho. O problema é quando, por esse e por outros motivos, nos afastamos de nós mesmos, sendo pessoas que não somos e tomando atitudes que não tomamos. De tudo isso, o importante é saber que amizades são para sempre, nós, não.

domingo, 2 de março de 2008

Boletim de Ocorrência

Era mais ou menos nove e meia da noite do dia primeiro de março.
Eu estava chegando ao ponto de ônibus no bairro da Lapa e percebi que a praça onde param os coletivos estava vazia e as poucas pessoas que se encontravam ali pareciam bem apreensivas.

Enquanto estava sentado no banco esperando o motorista chegar pra seguirmos viajem, apareceu um homem sem camisa, de bermuda vermelha, cabelo bagunçado, com os cotovelos sangrando, encarando todos que estavam na fila.

O motorista chegou para acalmá-lo, pois o cidadão estava bem agitado. Este se sentiu ameaçado e correu atrás daquele com um abridor de coco nas mãos, rua a fora. Foi aí que a minha aventura começou naquela noite de sábado.

Eu fiquei assustadíssimo; não estava entendendo nada. Pessoas gritavam, algumas mulheres choravam; ninguém tinha o que fazer.
- Liga pra polícia, pelo amor de Deus. Gritava uma senhora de bolsa preta e cabelo pixaim. O homem hostil não conseguiu pegar o motorista e voltou para a praça.

Pessoas corriam pra todos os lados para fugir dele e eu não fiz diferente. Enfiei-me dentro do ônibus junto com um rapaz de jeito afeminado que gritava de medo e tentei fechar a porta, mas a maldita não fechou.

Eu ainda, sem entender nada, fiquei olhando de dentro toda a movimentação dos populares que morriam de pavor com toda fúria daquele rapaz.

Ele veio em direção à porta do ônibus e me olhou nos olhos, fiz o mesmo e percebi que estava chorando e com o olho machucado, não parecia que queria me atacar.

Ainda olhando pra mim, desabafou com as seguintes palavras: - Eu tenho quatro filhos que passam fome. Eu trabalhei o dia inteiro pra aquele f.d.p. vim me desrespeitar desse jeito. Cadê ele? Cadê ele? Eu vou matar esse cara. E correu para a praça.

Eu olhei para o fundo do coletivo e percebi que tinha um homem deitado no chão que parecia se esconder; não se movimentava. Além disso, vi que dois vidros estavam quebrados. Logo imaginei que ocorrera uma briga antes de eu chegar ali.

Algumas pessoas que o conheciam tentavam acalma-lo, mas o homem não largava o abridor. Enquanto isso, quase todos tentavam ligar para a polícia, mas não passavam da mensagem automática. Poucos minutos depois chegou uma viatura com dois policiais e o motorista que fugira a pouco do maluco.

Os homens apontaram suas armar em direção ao individuo, mas ele não se entregou. Foram chegando mais perto e um deles descarregou um chute na barriga e o cujo caiu. Algemaram-no e o colocaram na viatura com sopapos na nuca.

Eu fui até um dos policias e avisei que havia um homem deitado no ônibus, imóvel. Quando entrou, dirigiu-se em direção da vítima e o acordou, pois este estava desmaiado. O homem levantou. Era um senhor, aparentava uns 41 anos. Era mal cuidado, usava uma roupa bem simples e uma bota de operário. Fiquei com dó. Ainda atordoado, perguntou para o policial onde estava a sacola dele. Depois apareceram com ela; tinha apenas umas mudas de roupa e um pedaço de papelão velho.

Enquanto isso, nos arredores da viatura, um senhor que se dizia amigo do baderneiro que já estava na “gaiola”, tentava tirar o rapaz dizendo que ele era inocente. O policial perdeu a calma, pôs as algemas nele e colocou-o para fazer companhia ao seu amigo.

Quando tudo se acalmou, perguntei para a senhora de bolsa preta o que acontecera antes da minha chegada. Ela disse que tudo começou quando os dois estavam no bar bebendo cachaça e num dado momento começaram a discutir. A briga foi se acentuando e foram aos trancos e barrancos (literalmente, pois estavam bêbados) até o ponto na praça dando porrada um no outro. O homem que estava caio dentro do ônibus estava batendo no louco de bermuda vermelha até que este foi ajudado por um amigo, assim virando o jogo e batendo no outro até fazê-lo cair no chão. Algumas pessoas tentaram ajudar o operário e o colocaram dentro do ônibus para escondê-lo do de bermuda enquanto ia buscar alguma arma para matá-lo. E foi aí que eu cheguei.
Depois de toda a confusão, motorista, cobrador, acusados, vítima e policias foram até a DP da Rua Catão para fazer o Boletim de Ocorrência.

Enquanto voltava pra casa, fiquei pensando nos quatro filhos desse rapaz. Eu imagino a criação que essas crianças tiveram, o ambiente em que foram criados e quem serão no futuro. Pra mim, a base da conduta e formação de um cidadão está na família. Nem sempre pessoas que têm em casa pais indisciplinadas ou viciados em algum tipo de droga tornar-se-ão como os pais, mas a chance é muito maior. Espero que esse homem se recupere, receba a pena que tem que receber e volte para casa para ser um pai e um homem de verdade e respeito.
E assim foi.