Muitos ficaram pra trás; alguns por causa do tempo, do distanciamento, alguns pelo simples fato das idéias não se encontrarem mais, ou porque escolheram tipos de diversões que não me convêm. Outros nunca foram meus amigos de verdade, não passaram de companheiros durante algum tempo, mas é desses que as vezes eu sinto falta. É mais ou menos como aquela frase do Fernando Pessoa: "O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem".
Na segunda série, quando eu tinha sete anos de idade, estudei no Colégio Nossa Senhora da Misericórdia, em Fortaleza. Minha família mudara para a cidade na tentativa de montar um negócio, sendo assim, moramos uma temporada por lá. Como minha mãe viu que as expectativas não eram das melhores, voltou depois de seis meses, mas meu irmão mais velho (Guga) resolveu ficar e levar a sua vida. Como eu ainda não tinha terminado a série, “enchi o saco” da mama pra ficar com meu irmão até terminar o ano. Depois de muita insistência, a coroa cedeu.
Bom, eu nada mais era do que um extraterrestre. Isso tudo porque eu tinha os cabelos longos, falava feio (sotaque paulisssssta, como eles diziam) e era o filho do gigante (apelido dado por causa dos dois metros do meu irmão). Passei muita raiva e fui muito zoado aquele ano, a ponto de voltar pra casa chorando quase todos os dias. Comovido com a minha situação, um garoto moreno e de olhos verdes, cuja única semelhança comigo era o fato também ser debochado pelos demais alunos; mas no caso dele era por conta dos quilinhos a mais que tinha. Certo dia sentou-se ao meu lado e tornou-se meu amigo inseparável.
Chamava-se, ou ainda se chama (assim espero), Claudinei (vulgo Claudéco). Ele morava na frente da praça principal onde tinha umas mangueiras enormes (mangueiras = pés de manga, para os mais espertinhos); sempre me chamava pra jogarmos bila (bolinha de gude) e para comer a maravilhosa tapioca doce que a mãe dele fazia. As vezes, quando meu irmão estava em casa, chamava-o para comer caju do pé - no quintal - jogar futebol, ver a vizinha tomar banho e jogar pedra nas vacas que o vizinho dos fundos tinha no seu pasto improvisado. Era muito boa a nossa amizade; ela completava um pouco a ausência dos meus pais e superava a hostilidade que sofria dos demais alunos da escola. Depois que voltei pra São Paulo, o encontrei duas vezes quando fui visitar meu irmão, tinha entre doze e catorze anos. Após isso, nunca mais o vi, mas ainda o guardo na lembrança.
A última experiência que tive como esta faz alguns meses. Foi em meados de setembro e outubro do ano passado, só que dessa vez não foi um amigo: foi uma amiga. Ela chama-se A.S.F, mora perto da minha casa e fazia cursinho na minha sala, inclusive, falei com ela hoje pra marcar de pegar um livro e um DVD que estão com ela. Talvez esse episódio tenha me impulsionado a escrever esse texto. Mas enfim.
Eu sempre comentava com meus colegas de classe o quanto eu “pagava um pau pra ela”. Ressaltava algumas de suas belezas, como o seu estilo, seus cachos dourados a fio, seu sorriso tímido, mas nunca tive coragem de conversar com ela, nem um oizinho. O que mais me incomodava era que um bobão da sala, daqueles que não consegue falar com nenhuma mulher, conversava com ela na boa; isso me incomodava muitíssimo.
Um dia eu tomei coragem e disse: - Vamô lá Gabi?
Mas é claro que eu não ia lá sozinho; “nem a pau” - do jeito que eu sou bunda mole - se não fosse ela pra me encorajar, eu não ia nunca. Mas fui, ou melhor, fomos. Conversamos o intervalo inteiro e foi aí que eu vi como o bobão conseguia conversar com ela, tamanha era a sua simpatia e serenidade.
Depois, durante um mês e pouco, não nos largamos mais. Conversava-mos toda tarde ao telefone, estudava-mos juntos aqui em casa, as vezes eu ia na casa dela também, e foi aí que eu comecei a sentir algo a mais (aquele que sempre acontece) do que só amizade. Aconteceram algumas coisas nesse tempo, mas isso não vem ao caso. Num dado momento ela resolveu se afastar, ficou distante, enfim, não era a mesma pessoa, na verdade era, só que ainda não conhecia esse seu lado.
Hoje o nosso relacionamento é bem superficial (uma pena). Sempre passo com a minha cachorra na frente da casa dela, mas nunca a encontro, não que essa seja a intenção, mas bem que poderia encontrá-la de vez em quando. Penso nela sempre que posso; ainda a considero uma pessoa muito importante e especial, apesar dos pesares e dos penares.
Pois é. É assim que perdemos pessoas que poderiam ser nossos amigos pra sempre. Pessoas que têm os mesmos ideais, os mesmos sonhos e os mesmos gostos, e, por um simples acontecimento, ou por egoísmo de alguma das partes, essa amizade se perde no meio do caminho. O problema é quando, por esse e por outros motivos, nos afastamos de nós mesmos, sendo pessoas que não somos e tomando atitudes que não tomamos. De tudo isso, o importante é saber que amizades são para sempre, nós, não.